O caso da Dolly

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O caso da Dolly

 Na semana passada, a disputa de mercado entre os refrigerantes Coca-Cola e Dolly transbordou as gôndolas dos supermercados e virou caso de polícia. Laerte Codonho, proprietário da Ragi Refrigerantes, fabricante do Dolly, entregou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e à Secretaria de Direito Econômico (SDE) uma fita de vídeo em que o ex-executivo da Coca-Cola Luís Eduardo Capistrano do Amaral admite ter participado de um esquema orquestrado pela multinacional para tirar a Dolly do mercado. São mais de 30 horas de gravação, feitas no escritório de Codonho em São Paulo, sem que Capistrano soubesse. Com base nesse material, o dono da Dolly acusa a Coca-Cola de abuso de poder econômico, concorrência desleal, espionagem industrial, corrupção e ameaça de morte. A minha intenção é que venham a público os métodos usados pela Coca-Cola, diz Codonho, que não descarta um pedido de indenização.  Nossas vendas caíram mais de 50% entre 2000 e 2002 por causa desse esquema. Um esquema que tem desdobramentos mais nebulosos do que os noticiados até agora. DINHEIRO teve acesso com exclusividade a trechos inéditos da fita, nos quais Capistrano relata o envolvimento de órgãos importantes da estrutura do poder na “missão” que ele classifica como “AS, Ação de Sacanagem”.

 

  A MISSÃO

 Até 2001, Capistrano foi diretor de compras estratégicas da paulista Panamco, a maior engarrafadora da Coca-Cola do País e que tem participação da própria multinacional. Na fita, ele diz ter agido sob orientação de Jorge Giganti, ex-presidente da Coca-Cola Brasil (entre 1985 e 1991) e da Panamco (até 2001). Sua incumbência era recuperar a participação de mercado perdida para os fabricantes menores, conhecidos como “tubaineiros”.
Capistrano – (…) Eu tinha uma missão que foi dada pelo presidente, o Giganti. (…) A missão era tirar você do mercado. (…) Se você batesse só na Fanta, no Kuat. Mas o problema é que num determinado momento há uma análise de que a Dolly está tirando cliente da Cola, Coca-Cola. (…) No México não tem concorrência.
Codonho – Por quê?
Capistrano – Liquida, mata as pessoas todas.
Codonho – Não, não brinca não, mas mata fisicamente também?
Capistrano – Fisicamente, se for necessário.

A ESTRATÉGIA
Na conversa gravada, Capistrano explica que uma das estratégias
era pressionar fornecedores para que eles parassem de entregar matéria-prima (garrafas PET, por exemplo) à Dolly. Teoricamente, a Coca-Cola teria esse poder porque é grande compradora desses mesmos fornecedores e poderia deixar de ser caso eles não colaborassem.

Capistrano – Bastavam dois meses com a
matéria-prima controlada, limitada. Já é o suficiente para destruir a participação das menores no mercado.

Mas esse não era o único método. Em outro trecho da fita, Capistrano diz que a estratégia também envolve a Receita Federal e o Ministério Público. E afirma que o dinheiro para corromper pessoas nesses órgãos sai do caixa 2 dos franqueados da Coca-Cola. O problema, segundo Codonho, é que os franqueados não estavam querendo colaborar liberando o dinheiro da propina. Isso porque alguns deles estão em pé de guerra com a multinacional. “Eles são obrigados a praticar pequenas margens de lucro só para enfrentar o avanço das marcas menores”, explica o empresário. Nenhum franqueado confirma a tese. Na fita, Capistrano detalha os seus focos de atuação e cita o problema com os franqueados.
Capistrano – A estratégia tinha vários pontos: era com fornecedores, com Receita Federal, com Ministério Público. (…) A ação da Justiça é lenta, demorada. A Coca-Cola tem inclusive muita dificuldade de fazer os pagamentos.
Codonho – Como assim?
Capistrano – (…) A relação com os franqueados era muito complicada. Quem você acha que tem dinheiro livre no mercado? (…) Se você (os franqueados) está em briga com a Coca-Cola, está tendo prejuízo todo mês e não consegue pagar a conta dela, você ainda acha que vai investir todo o seu caixa 2 para beneficiar a Coca-Cola?

A PRESSÃO NA JUSTIÇA
Codonho diz que em abril de 2002 começou a sofrer perseguição por parte do Ministério Público Federal de São Bernardo do Campo. “Um procurador chamado Márcio Schusterschitz apresentou quatro ações contra a Dolly. Numa delas, pedia o fechamento da empresa por sonegação fiscal”, afirma o empresário, completando que as acusações não têm fundamento e por isso denunciou Schusterschitz à Corregedoria do Ministério Público. No dia 16 de junho, o procurador pediu afastamento do processo, alegando “razões de foro íntimo”. “A Dolly, em vez de apresentar defesa, partiu para o ataque contra a minha pessoa. Para evitar que essa suspeita desviasse a discussão eu pedi suspeição”, afirmou o procurador à DINHEIRO. Schusterschitz, porém, admitiu “não estar convencido” de que a Dolly sonegasse impostos. E quando questionado pela reportagem se manteve contato com Capistrano ou Giganti, respondeu: “Eu acho que não”. Na gravação da conversa entre Codonho e Capistrano, há detalhes de como funcionava o esquema de pressão no Judiciário.

Capistrano – Não era só comprar. Contratava-se aquele lobista, aquele outro, que são gente que tem uma missão clara de ir lá e encher o saco todo dia. (…) A Coca-Cola tinha advogados contratados, lobistas contratados para cuidar disso junto ao Ministério Público.

Até quinta-feira 4 à noite, Capistrano não havia retornado os recados deixados por DINHEIRO em sua casa e em seu celular. Mas e entrevista ao jornal Valor Econômico admitiu que esteve conversando com Laerte Codonho, atraído por uma proposta de emprego. Jorge Giganti também não quis se pronunciar. Divulgou um comunicado no qual afirma: “Tais acusações são (…) incompatíveis com a minha trajetória profissional, a qual foi sempre pautada por princípios éticos e morais”. Os responsáveis pela Panamco, que em janeiro último foi comprada pela mexicana Femsa por US$ 2,5 bilhões, também não quiseram falar. E a Coca-Cola emitiu um comunicado dizendo estar examinando “o teor das acusações para adotar as medidas judiciais cabíveis”.

fonte: ISTOÉ

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